Segundo encontro da segunda temporada do Circulação da Balbúrdia foi realizado pela EFoP em 27 de agosto de 2020 a partir da pesquisa: “(Neo)Liberalismo, democracia e diplomacia empresarial”: a história do Council of the Americas (1965-2019)
O Çirculação da Balbúrdia contou com a convidada Rejane Carolina Hoeveler, professora substituta da Escola de Serviço Social da UFRJ. Doutora em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (PPGH-UFF), mesma instituição em que concluiu o mestrado, também em História, em 2013. Bacharelou-se e licenciou-se em História na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), participa atualmente do Grupo de Trabalho e Orientação (GTO) coordenado por Virgínia Fontes e debateu a sua pesquisa de doutorado intitulada “(NEO)LIBERALISMO, DEMOCRACIA E "DIPLOMACIA EMPRESARIAL": A HISTÓRIA DO COUNCIL OF THE AMERICAS (1965-2019)”. A tese encontra-se disponível para leitura na Biblioteca da EFoP e a apresentação e debate podem ser assistidos no canal do YouTube da EFoP.
Rejane iniciou sua apresentação relatando a investigação da tese, localizando a área de suas pesquisas anteriores nas quais já havia estudado a temática da elite orgânica transnacional para pensar sobre o papel da elite orgânica e a importância do intelectual dominante para a sua respectiva classe. Em seu doutorado seu intuito inicial era buscar compreender como se dava a elaboração de políticas externas dos Estados Unidos que influenciam o setor executivo.
Em sua tese, apresenta a história da entidade Council of Americas (COA) desde o período da fundação, com a iniciativa de David Rockfeller. Relata que com o vasto material em mãos, largo período escolhido da história (de 1965-2019), combinados com a imensidão geográfica de atuação da entidade em diversos países, naturalmente há lacunas históricas na tese, que não teve a pretensão de esgotar as fontes. Aponta para duas questões centrais de investigação no trabalho: a primeira de demonstrar a modalidade de ação do Conselho e a inserção do aparelho privado de hegemonia (APH) na sociedade civil e sociedade política tanto nos Estados Unidos, como em países da América Latina; e a segunda de compreender a colaboração da entidade com as ditaduras latino-americanas e sua importância para o grande empresariado desta região. A matriz teórica de sua tese tem base em autores como Marx e Gramsci, passando por discussões sobre os APHs, hegemonias transnacionais, imperialismo, cosmopolitanismo e teorias liberais sobre democracia e como se dá essa vertente ideológica do COA.
A pesquisa buscou identificar os atores, empresários, políticos, intelectuais (usando aqui o conceito gramscianiano de “intelectual orgânico”) para apreender essa historia ideológica. Nas investigações, é possível demonstrar a atuação do Conselho na sociedade civil e política (conceitos com base em Gramsci), inclusive na Agência Central de Inteligência (CIA) e um forte lobby no congresso sempre alinhado com o executivo e departamento de comércio. Bem como na sociedade civil dada a importância das “boas relações” na América Latina para os Estados Unidos, com o intuito de “ajudá-la a se desenvolver” e ter “responsabilidade social empresarial” - marca neoliberal, que ganha destaque importante nos anos 2000, com o início de projetos sociais.
Rejane aponta para o modo como o COA aparece na imprensa através de seus consultores e jornalistas, com destaque para seu ator mais famoso, o editor-chefe Brian Winter, consultado frequentemente como um suposto escritor neutro de interesses. Em relação à produção de materiais, frequentemente são publicados guias sobre o que falta para privatizar no Brasil e escritos anteriores referentes às eleições de 2018, sobre populismos a ser evitado na América Latina. Possuem essa perspectiva de democracia forte, de um investimento do capital externo na América Latina, que apesar de ter colaborado bastante nos anos 60 com as ditaduras na região, adota seu vocabulário bem ascético, muitas vezes desprovido de conteúdo.
A autora apresentou alguns elementos sobre a vida de David Rockfeller, o qual ao estudar em universidades de elite foi orientado por economistas liberais como Rayek e Friedman. O conselho nasce de três entidades anteriores, já determinado por uma rede político empresarial que Rockfeller herda e transforma em algo maior, com a filantropia como investimento e um grande esforço em práticas de contrarrevolução preventiva. Na fusão com outros empresários que participam do conselho posteriormente, como José Cubas, será disputado a aliança para o congresso do Kennedy.
No terceiro capítulo a tese aponta as relações do conselho com o ciclo ditatorial na América Latina, com enfoque no Brasil e Chile como exemplos, onde a atuação do conselho foi mais evidente. No Chile em meados dos anos 1970, há atuação da entidade nas tentativas de impedir a posse de Allende, com o plano do presidente Nixon, com evidências de uma carta de Cubas diretamente para o próprio Allende.
A partir de 1986 há um ponto de virada onde eles publicam o livro patrocinado pela American Society: “Uma nova fase de crescimento para América Latina”. O livro é um receituário de como privatizar, como fazer câmbio flexível, dando exemplos de empresas que deveriam ser vendidas para o “bem público”.Após os anos 2000, há uma renovação notável do conselho em conjunto com a reformulação de políticas públicas, baseadas em uma “responsabilidade social” com projetos empresariais que entram com um lado “humanístico”. O conteúdo destes prevê a privatização nas áreas da saúde e educação, partindo do pressuposto de uma inviabilidade da garantia de serviços públicos de qualidade.
Um exemplo citado é o caso do programa “One laptop per child” no Peru, que visa treinar uma juventude nos produtos da Microsoft, treinando seu mercado consumidor. São criados diversos sites e revistas que se voltam para a publicização de uma gama grande de atividades, desde concertos de música até eventos públicos. Há inclusive uma série de programas para mulheres CEO’s (Chief Executive Officer), grupos de jovens, alguns eventos disponíveis para consulta.
Ao longo da apresentação, Rejane destacou que as visitas de governantes latino-americanos para o Conselho configuram-se como uma espécie de “diplomacia privada obrigatória”. Já passaram por estas visitas governantes como: Lula; Dilma; e Fernando Collor, que recebeu insígnia de ouro por ser o primeiro presidente liberal do Brasil. A respeito de intelectuais brasileiros orgânicos envolvidos com o COA, dois maiores exemplos são Fernando Henrique Cardoso, do ponto de vista da interação como Movimento Brasil Competitivo, e Ricardo Lagos.
Concluiu explicitando o papel do Conselho, fundamentalmente, de educar as burguesias numa determinada perspectiva de como os empresários numa sociedade devem atuar, articulando seus interesses e promovendo a consciência de que os empresários precisam atuar politicamente juntos, ainda que continuem sendo concorrentes. Nas palavras da autora, parafraseando Gramsci: os empresários não estão preocupados somente com os seus negócios, mas com moldar o mundo ao redor dos seus negócios.
Para quem não pôde acompanhar a atividade, a apresentação está disponível no canal do YouTube EFoP Vânia Bambirra. Aproveite e inscreva-se nos canais do YouTube, Telegram e Facebook para receber notícias sobre as próximas atividades e vídeos.
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