Terceiro encontro da terceira temporada do Çirculação da Balbúrdia foi realizado pela EFoP em 15 de setembro de 2021 com o tema “A mercantilização das terras públicas - investigação sobre o direito à moradia no Rio de Janeiro”.
O debate ocorreu com a convidada Luíza Beatin no dia 15/09. Para ler o texto acesse a nossa biblioteca e encontre também outros textos acadêmicos debatidos no Çirculação.
Inicialmente, Luiza apresentou uma questão acerca da elaboração de seu trabalho: apenas recentemente a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ passou a aceitar trabalhos teóricos como Trabalho Final de Graduação. Antes, apenas elaborações projetuais eram permitidas.
A motivação inicial do seu trabalho foi: a quem as terras públicas têm servido? Para pensar o direito à habitação realizou um levantamento de múltiplos instrumentos legislativos nos quais ele está previsto, como: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1976) da Organização das Nações Unidas (ONU); o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1976); o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU (1991); a Constituição Federal de 1988, com a Emenda à Constituição n˚ 26 (2000) e o Estatuto da Cidade (Lei Federal n˚ 10257/2001).
Além destes, foram levantadas legislações específicas do Rio de Janeiro, estado no qual a pesquisadora optou por desenvolver seu trabalho. A constituição Estadual do Rio de Janeiro estabelece que “terras públicas estaduais não utilizadas, subutilizadas e discriminadas serão prioritariamente destinadas a assentamentos de população de baixa renda”.
Este levantamento dos aspectos jurídicos coloca uma questão sobre a violência presente na estrutura urbana do Rio de Janeiro, que perpassa a divisão dos bairros, o transporte público e o acesso à cultura e lazer. Esta não seria resolvida apenas pela via da legalidade, já que há diversas normativas que prevêem o direito à habitação.
Outros instrumentos legais foram apresentados a fim de demonstrar os aspectos contraditórios em relação ao direito à moradia. No Brasil, segundo levantamento realizado pela Campanha Despejo Zero, entre os períodos de março de 2020 a fevereiro de 2021 – ou seja, no meio da pandemia da Covid-19 – quase 10 mil famílias foram despejadas de suas casas.
A Lei 14011/2020 prevê a facilitação da alienação de imóveis pertencentes à União, que abre a oportunidade para a realização de leilões virtuais e vendas diretas por corretores imobiliários do patrimônio público.
Além desta legislação, Luiza traz a Lei 13465/2017, que já trazia a proposta de tornar mais ágeis as vendas dos imóveis da União. Esta lei também alterou o Estatuto da Cidade, modificando a concepção de regularização fundiária urbana. Outra proposta normativa é o Projeto de Emenda Constitucional 80/2019, de autoria do Senador Flávio Bolsonaro em tramitação no Senado. A proposta é de findar a Função Social da Propriedade, elemento legislativo bastante relevante para as disputas urbanas e agrárias.
No Rio de Janeiro, a Lei 9227 dispõe sobre a destinação dos imóveis pertencentes ao estado do Rio, permitindo a doação destes a servidores de segurança pública que ganham até sete salários mínimos, sob o argumento de destinação de imóveis públicos para habitação social.
Na cidade do Rio, a prefeitura foi responsável pela expulsão de mais de 80 mil famílias de territórios centrais para os bairros periféricos da cidade. Atualmente, o prefeito Eduardo Paes (PSD) organiza o Programa Reviver Centro, projeto que aumenta a especulação imobiliária dentro das áreas centrais, principalmente nas zonas já valorizadas, como a sul. Por fim, no âmbito municipal há o Decreto n˚ 48806, que criminaliza o comércio ambulante na cidade.
Para aprofundar seus estudos sobre direito à moradia e patrimônio público, a pesquisadora realizou um levantamento dos imóveis cadastrados no Sistema de Patrimônio da União (SPU), vinculado ao Ministério da Economia. Este cadastro, contudo, segundo Luiza, apresenta informações errôneas e pouco precisas sobre os imóveis. Devido às inconsistências e restrição das informações, a pesquisadora avançou suas investigações comparando estes com os dados fornecidos pela Administração Pública Federal (APF).
Os estados de Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco possuem juntos mais de 46% do total de imóveis cadastrados. Nos dados do SPU, a maioria dos imóveis estão localizados em territórios litorâneos, com exceção do Distrito Federal (situação que é autoexplicativa) e da cidade de Barueri, em São Paulo. Esta situação foi elucidada posteriormente por Luiza. A predominância no litoral justifica-se pelo fato de se tratarem de terrenos da Marinha ou acrescidos de Marinha.
Sobre a situação de Barueri, a pesquisadora elucida que nela localizava-se o maior aldeamento indígena paulista até 1829, momento que a família Penteado expulsou com extrema violência os indígenas que lá moravam. Neste local, construções luxuosas como o Alphaville aumentaram o valor da região. A União, posteriormente, reivindicou a propriedade sobre essas terras que, antigamente, eram dos indígenas.
Já nos dados do APF, a predominância litorânea não é a regra, sendo destacados Distrito Federal, São Paulo, Rio, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Isso porque os imóveis geridos pelo SPU são os de Uso Especial, destinados à execução de serviços administrativos ou prestação de serviços públicos em geral.
No estado do Rio, a capital fluminense é a segunda cidade com maior concentração de imóveis geridos pela União. Este fato se explica tanto por ela ser litorânea, quanto por ter sido a capital do Brasil até a década de 1960.
Em relação à capital, Luiza realizou um importante levantamento. Na Zona Sul localizam-se diversos prédios públicos. Neste local, onde o valor da terra é mais alto, estão concentrados os imóveis de maior valor registrados na APF.
Apesar da concentração de imóveis públicos no Centro e Zona Sul do Rio, é na Zona Oeste onde se localizam grande parte das habitações vinculadas ao Programa Minha Casa Minha Vida. Nesta região, segundo dados levantados pela pesquisadora, concentra-se a maioria da população autodeclarada preta e parda, com quantidade menor de empregos e rendimento mensal inferior, a média de idade de falecimento das pessoas é menor (ou seja, morre-se mais jovem), há pouca concentração de salas de cinema e museus e o peso da tarifa do transporte público na renda mensal é maior. Ou seja, ali onde já se localiza uma população marginalizada em relação à infraestrutura urbana, são construídas as casas vinculadas a programas habitacionais sociais. Ao passo que os diversos prédios públicos localizados em zonas centrais não são destinados para habitação desta população.
Alguns movimentos populares se colocam mais diretamente em relação a essas contradições. Luiza citou duas ocupações urbanas na cidade do Rio: a Ocupação Vito Giannotti e a Ocupação Mariana Crioula. A primeira, foi fundada em 2016 em um antigo hotel do INSS que estava abandonado há mais de 20 anos, ela está ligada ao Movimento de Luta nos Bairros (MLB), Central dos Movimentos Populares (CMP) e União por Moradia Popular (UMP). Apesar de ter vencido o edital de chamamento público da Caixa Econômica Federal para que o prédio fosse reformado, ainda não receberam a verba e continuam sofrendo constantes ameaças. Já a segunda foi organizada pelo Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), e ocupa terrenos na Gamboa desde 2011. Atualmente está ligado ao Programa Minha Casa Minha Vida mas também não recebeu verba.
Por fim, a pesquisadora conclui que não faltam leis ou terras públicas para resolver a questão da moradia, mas sim, há ausência de interesse público para tanto.
Durante o debate, foram levantadas outras questões sobre o tema, como o valor dos aluguéis próximo às universidades – pensando questões de especulação imobiliária -, o atual projeto da prefeitura do Rio – o Reviver Centro -, as ocupações em diferentes cidades, entre outras.
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