No dia 05 de abril de 2022, a Escola de Formação Política da Classe Trabalhadora – Vânia Bambirra debateu junto com o professor Cláudio Ribeiro, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/UFRJ), a temática das mazelas urbanas e ambientais que nossa classe vivência na sociedade capitalista. Cláudio Ribeiro é professor da FAU-UFRJ onde atua com o ensino de urbanismo, meio ambiente e história da cidade na graduação e no Programa de Pós-graduação em Urbanismo – PROURB/FAU/UFRJ. É pesquisador do Laboratório de Direito e Urbanismo e participa do coletivo PERIFAU. Foi presidente da seção sindical do Andes-SN na UFRJ, a Adufrj-sind de 2013 a 2015, e integrou a diretoria nacional deste sindicato de 2016 a 2018. O debate foi exposto cuidadosamente por Cláudio com reflexões de muito fôlego, por apresentar elementos para pensar tanto o modo como a crise ambiental é discutida hegemonicamente e os limites que impõem para imaginarmos outras soluções para superar as crises, bem como por pensar de forma crítica sobre a situação atual da realidade brasileira, considerando sua relação de dependência.
Em sua fala inicial, Cláudio aponta o caráter colonizado que o debate da crise ambiental frequentemente tem, imposto como a única forma de debater a crise. Essa composição da visão hegemônica empobrece e limita pensar novas formas para tal problema profundo e complexo, que atravessa as instâncias simbólicas, políticas, sociais, entre outras.
Para exemplificar como a crise ambiental perpassa todas as facetas da nossa vida e tem a capacidade de exacerbar ainda mais as desigualdades de classe, Cláudio cita o curta-metragem “Recife Frio”, de Kleber Mendonça Filho, o qual mostra uma outra Recife que ficou fria por conta da queda de um meteorito e as consequências para a cidade e suas relações a partir da mudança climática. O curta ficcional tem a capacidade de espelhar o que ocorre em nossa sociedade: a morte causada pelo frio dos mais pauperizados em situação de rua ganham menos destaque nas mídias, enquanto os problemas da pequena burguesia são amplamente explorados.
Cláudio traz em sua fala duas preocupações: a de desdobrar esse discurso hegemônico sobre a crise ambiental e a preocupação de efetivamente incorporar o problema para as nossas reflexões, sem que ela seja mero anexo de fala.
Se é uma crise ambiental é uma crise do capital
A produção da crise nesse sistema faz parte do próprio modo pelo qual a produção se organiza, o qual está distante de produz qualquer autorreflexão. Esse modo de produção que engendra as crises é também o mesmo que apresenta uma ilusão de totalidade do planeta pela esfera do consumo. No limite, a consciência ambiental produzida por esse sistema é reduzida a pergunta “como consumimos o planeta?”, tratando bens naturais enquanto recursos.
Em síntese, duas consequências desse discurso são apontados por Cláudio: o primeiro é a individualização das soluções, pois se o problema está no consumo, a resposta estaria na forma como se consome. São instigadas as falsas soluções de que um problema dessa magnitude pode ser resolvido se o indivíduo consumir bem, consumir consciente. Uma das vitórias do neoliberalismo, inclusive, foi promover essa verdadeira conquista do imaginário, apoiada na dificuldade de elaborar uma luta fora do âmbito individual, de organizar estratégias coletivas para os problemas e crises que nos atravessam. A “consciência ambiental” reduz o debate à pergunta “como consumimos o planeta?”, promovendo junto a falsa ideia de que nesse sistema todos podem e tem acesso ao consumo igualmente.
A segunda consequência em relação a crise ambiental é o problema da lógica da sustentabilidade como marco teórico de resolução dessa crise. A sustentabilidade passa a ser sinônimo, hoje em dia, para meio ambiente, onde ambos começam a ser pensados em conjunto. Isso demonstra o nível de hegemonização da ideia. A sustentabilidade, o urbanismo verde, o consumo sustentável, – assim como outras ideias neoliberais como a noção de resiliência promovidas por grandes capitais, mídia burguesa e outros aparatos ideológicos – possui a cara agradável necessária para o capital, uma vez que essa é apenas mais uma forma de não superar o sistema a qual promove essa e outras crises, mas alivia parte das culpas individuais e também é extremamente lucrativo.
Estas “saídas” dentro desse modo de produção do sistema são dadas pois, na medida em que o capital se expande, não existe uma programação e reflexão das suas ações futuras. O que é possível observar repetidamente é com quem fica a dívida quando as crises apertam – e essa sempre recai para a esfera do trabalho, especialmente para os trabalhadores mais pauperizados.
A importância de pensar o problema da crise ambiental com o modo das relações de produção e lutas de classe
Após destacar a necessidade de compreender as consequências que tem o pensamento hegemônico imbricado no marco teórico do desenvolvimento sustentável para a nossa concepção de solução para as crises, Cláudio ressalta a necessidade de pensar outras formas de debatê-la que não a hegemônica. E esta outra forma possível de considerar o problema envolve uma leitura material e histórica para ganhar complexidade necessária, implicando necessariamente os modos de produção e de organização do trabalho. Um dos exemplos claros sobre a necessidade de questionar as relações de superexploração dos trabalhadores é observando a quem servem essas tragédias sociais que ocorrem repetidamente, como as tragédias dos rompimentos de barragens.
Crimes ambientais são cometidos por empresas como a Vale, que constroem essas barragens e passam impunemente por essas tragédias, pagando alguns milhões em troca da vida de milhares de trabalhadores perdidas, um negócio que para eles é considerado lucrativo.
Mas porque essas barragens são construídas a todo custo? A quem serve? Um dos elementos que não é tão acessível para a nossa compreensão e que Cláudio trouxe em sua fala é a própria crise de subsolo perpassar por um domínio de como funciona o mapa do mercado de mineração, no qual há um mapeamento do subsolo brasileiro e extrativismo tão intenso devido a relação de dependência da nossa economia, que impõe uma condição de permanência nessa situação. A extração então continua numa escala cada vez mais avassaladora… Mas para quais fins?
Cláudio aponta que a pergunta precisa ser recolocada para as relações de dependência do nosso país, ou seja, porque a superexploração do trabalho se dá aqui e quais as dificuldades dessa superação?
É marcante o quanto a dependência é produtora de uma crise ambiental cada vez mais violenta. Cláudio relembra a obra de Milton Santos “A Urbanização Brasileira”: aqui, a urbanização se deu com grandes metrópoles empobrecidas e ao mesmo tempo se deu uma urbanização agrícola, onde boa parte se urbaniza pelo agronegócio. E isto só acontece por conta das relações dependentes de produção.
O alagamento das cidades – o que a urbanização tem a ver com isso? De tempos em tempos há ciclos longos de chuva, o qual demora cerca de anos, as vezes mais de cinquenta para acontecer. Atualmente, o regime de chuvas ocorre com mais frequência, e são várias suas causas, desde um aumento do desmatamento da região amazônica, a política do agronegócio que traz consequências urbanas; o aquecimento da atmosfera aumentando a o potencial de retenção da umidade, entre outros. O que agrava ainda mais essa situação é o modo como as próprias cidades, em decorrência de seu processo de urbanização, estão construídas. Com despreparo completo para regimes longos e fortes de chuvas, o “desenvolvimento” das metrópoles foi pensado para o aumento e velocidade de transportes de mercadorias, com aumento acelerado no processo de asfaltamento. As pessoas que já são expulsas dos centros das cidades, por conta das especulações imobiliárias, precisam habitar muitas vezes encostas de morros – e ainda são culpabilizadas por isso quando as tragédias ocorrem. Sem preparo algum para esses fenômenos, assistimos aos urbicídios, onde a habitação em certas partes da cidade são propositalmente desassistidas pelo Estado, com uma frágil infraestrutura e muitas vezes sem serviços de limpeza, saneamento e esgoto. A combinação desses fatores acarretam nos alagamentos e inundações das casas, desabamento de morros que matam as pessoas que ali habitavam. Cláudio indaga por que soluções relativamente simples de serem resolvidas, como o aumento da permeabilidade do solo (ou seja, a troca de revestimento e calçamento das cidades e mais áreas verdes) não são realizadas. E como indica, essa solução tecnicamente simples muitas vezes sequer entra nos novos planos diretores da cidades. Além do grave descaso com as condições urbanas e sanitárias, as privatizações constantes de empresas públicas que gestam e distribuem serviços essenciais para a populações imprime aos trabalhadores um novo modo de se relacionar com seus direitos, como o acesso à água e saneamento, nesse exemplo, e com a cidade de forma geral. Cláudio relembra ainda a luta dos bolivianos contra a privatização da água em seu país como um exemplo para nós. Após a exposição do Cláudio foram abertas duas rodadas de perguntas feitas pelo público que assistia ao debate. Confira na íntegra:
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