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Grupo de Leitura “O Capitalismo Dependente Latino-Americano” de Vânia Bambirra

Grupo de Leitura realizado em abril e maio de 2020


“Vamos, mais do que aguardar os acontecimentos, tentar interferir neles fazendo política, tentando acelerar o grande motor da história.”

Vânia Bambirra



Totalizando quatro encontros realizados em plataforma virtual e com a mediação de Tomás Barcellos, da Universidade de Brasília (UnB), e Allan Kenji Seki, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Grupo de Leitura da Escola de Formação Política da Classe Trabalhadora - Vânia Bambirra (EFoP) reuniu um conjunto heterogêneo de leitores que compartilhavam o interesse pelo debate da obra “O Capitalismo Dependente Latino-Americano”, de Vânia Bambirra. Devido à grande procura, os inscritos foram separados em dois grupos, permitindo com que a escola atendesse à todos que buscaram participar da atividade.


Nascida em 1940 em Minas gerais, Vânia fundou, junto a grande intelectuais brasileiros, como Theotônio dos Santos e Ruy Mauro Marini, a Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop) em 1961. A Polop cumpriu fundamental papel nos debates críticos da década de 1960 por apresentar rigor teórico junto ao compromisso de transformação social. Esse caráter assegurou uma leitura afiada da realidade, permitindo prenunciar a escalada repressiva no horizonte brasileiro quando forças de esquerda carregavam otimismo com a possibilidade de alianças com a burguesia nacional.


Pela radicalidade de sua teoria, a dissertação de Vânia sobre a Reforma Camponesa é destruída em 1964 com o golpe empresarial-militar. Perseguida desde então, é exilada em 1966 junto a companheiros da Polop. Vivem no Chile até o golpe de 1973, desenvolvendo durante esse período o que se configura como a Teoria Marxista da Dependência. Com a escalada militar no Chile, parte de seu trabalho é destruído pela segunda vez. Vive exilada no México até 1979, quando retorna ao Brasil após a Lei da Anistia. Trabalha na Assembleia Legislativa Estadual do Rio Grande do Sul durante o governo de Leonel Brizola.


Durante 1970 e 1974, período em que escreveu “O Capitalismo dependente latino-americano”, Vânia pôde acompanhar intimamente os desdobramentos conjunturais na América-Latina, fato que é possível perceber na vastidão e densidade de elementos dissertados.


Distanciando-se tanto do desenvolvimentismo apresentado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) - e outros setores da esquerda - e pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), quanto da teoria da dependência defendida por Fernando Henrique Cardoso e associados, a Teoria Marxista da Dependência pode ser compreendida como uma série de debates que visam compreender as especificidades do imperialismo nas economias tidas como periféricas. A Teoria Marxista da Dependência receberia críticas, equivocadamente, por supostamente ser uma teoria “exogenista”, ou seja, que colocaria na conta dos fatores externos a causa de sua condição. Entretanto - e no livro em questão esse elemento é evidente - essa teoria busca apresentar as determinações internas e externas que conformam a dependência.


Na primeira parte do livro, intitulada “Para uma tipologia da dependência (industrialização e estrutura econômica)”, a autora distancia-se das caracterizações sobre a América Latina realizadas durante os anos 60 e 70 para apresentar sua própria análise. Realizando esse debate, Bambirra discute com a tese mais difundida nessa época, a teoria da dependência proposta por Fernando Henrique Cardoso e Faletto, dedicando um capítulo para a crítica dessa teoria.


Além das imprecisões teóricas apresentadas por Vânia relativas a esses dois teóricos, como o distanciamento dos autores no tocante à caracterização da estrutura produtiva, as incongruências históricas e a insuficiência de análise concreta pós 1945, foi debatido o papel político cumprido por esses intelectuais cuja classificação apaga o caráter de classe da apreensão da realidade. Essa imprecisão, na qual o cerne é político e não cognitivo, leva os autores a afirmarem que a origem dos países subdesenvolvidos sustentaria-se pela natureza econômica durante o período colonial (colônias de exploração). Não à toa essa forma explicativa tornou-se hegemônica nos livros didáticos escolares; pois, esse tratamento teórico esconde os principais elementos que, de fato, explicam a condição latino-americana. Elementos estes que precisam ser evidenciados para poderem ser combatidos na sua raiz.


Vânia adota a metodologia de analisar os países latino-americanos baseando-se em uma divisão segundo o caráter e a temporalidade do desenvolvimento da indústria - o que considera um nível médio de abstração -, e portanto, do desenvolvimento das relações capitalistas de produção. Os países de tipo A (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Uruguai) seriam aqueles que possuíam indústria antes do pós Segunda Guerra Mundial, processo marcado pela substituição dos bens manufaturados estrangeiros pelos nacionais. Já nos países de tipo B (Peru, Venezuela, Ecuador, Costa Rica, Guatemala, Bolivia, El Salvador, Panamá, Nicarágua, Honduras e República Dominicana), o processo de industrialização foi produto da integração monopólica, pós 1945. Os países latino-americanos excluídos de ambas as categorias teriam processos muito específicos e portanto, não caberiam na análise proposta pela autora.


O desenvolvimento industrial nos países de tipo A foi possibilitado por uma série de condições que marcaram a etapa do capitalismo em nível mundial. Esses países cumpririam um papel diante das necessidades colocadas aos países centrais de aumentar os seus processos produtivos, que atravessavam a Segunda Revolução Industrial, levando-os à necessidade tanto de aumentar a produção de matérias-primas e produtos agrícolas quanto a expansão da realização de suas mercadorias.


Nos países de tipo A o setor exportador gerou o desenvolvimento das relações capitalistas de produção na América Latina. Primeiro, porque o desenvolvimento do setor industrial para a satisfação direta da exportação reorganizou a produção social e acelerou o desenvolvimento das forças produtivas. Em segundo, devido ao desenvolvimento de um mercado interno, já marcado pela compra e venda força de trabalho. Se por um lado a indústria desenvolve-se para atender as demandas de exportação, por outro, tem como consequência o avanço industrial em setores complementares.


A substituição de importações é o fator central que alavanca a produção industrial nesses países. Tensionados pela escassez gerada pela conjuntura internacional - Primeira Guerra Mundial e posteriormente a crise de 1929 - esses países puderam instalar novas indústrias. A singularidade destes países em comparação aos do tipo B consiste na existência de um mercado nacional já estruturado e um setor já organizado em relações capitalistas de produção.


O livro também aponta para o caráter de conformação do Estado nestes países, já que a oligarquia fundiária e a burguesia industrial estabelecem um acordo tácito de cooperação antagônica: as divisas produzidas pelo setor primário-exportador financiam o desenvolvimento industrial.


Já nos países de Tipo B, a industrialização inicia apenas com a integração monopólica mundial pós 1945. Isto porque nestes países o controle exercido por empresários estrangeiros deu-se de forma sistemática e mais intensiva, conformando uma dependência mais aguda. A relação entre metrópole e as economias de enclave foram tão íntimas que não possibilitaram os mesmos efeitos dinamizadores verificados nos países de tipo A. Essa condição impediu que o setor exportador se articulasse com a economia nacional em seu conjunto.


Na segunda parte do livro, Vânia discorre sobre as características de ambas as estruturas dependentes no pós 1945. Para pensar essa condição, é necessário situar o cenário no pós-guerra, sobretudo do papel cumprido pelos Estados Unidos no tocante ao desenvolvimento de forças produtivas. Configurando potência mundial, os EUA possuíam forte concentração de cientistas com aplicação direta de nova tecnologia na produção. Esse país consegue elevar o nível de produtividade mesmo entre os demais aliados da guerra. É nesse contexto que expandem-se as empresas conhecidas como multinacionais, que se instalam em todos os países capitalistas permitindo a realização de acordos comerciais e o direcionamento de ações políticas e militares. Essas condições permitem reorientar o papel das potências, sobretudo dos Estados Unidos, em território latino-americano.


Com a penetração mais intensa dos capitais estrangeiros, outros ramos e setores produtivos começam a se desenvolver, com a intensificação da concentração e centralização das economias e com a desnacionalização progressiva de setores até então controlados por produtores nacionais. Além disso, as empresas estrangeiras passam a integrar mais intimamente os interesses das classes dominantes locais.


Diante dessa nova conjuntura verifica-se nos países de tipo A uma desnacionalização econômica, e consequentemente, de classe. A burguesia nacional percebe, portanto, que para fazer o capitalismo imperar em sua nova etapa do modo de produção, necessita abandonar suas ambições autonomistas. As empresas estrangeiras passam a inserir-se na indústria manufatureira não apenas por meio da exportação de maquinaria, mas convertem sua aplicação em capital-maquinário, transformando a relação de compra/venda em investimento.


A penetração do capital estrangeiro na indústria é concebida por uma série de fatores. Primeiro, é preciso compreender que o capitalismo é um sistema essencialmente internacional e que em vista disto torna impossível conceber historicamente a promoção do desenvolvimento de forma alheia ao sistema em escala mundial. Em segundo, a penetração de capital estrangeiro expressa a submissão que a dependência gera no tocante às máquinas produzidas pelo capital estrangeiro. As empresas também detém o controle das patentes tecnológicas, impondo seus próprios termos para utilização. Além disso, a concorrência nos países latino-americanos também apresentam melhores condições aos capitais estrangeiros. Por fim, podemos citar os diversos recursos acumulativos da dependência, como a transferência de valor pelo mecanismo da dívida pública.


Além do aspecto econômico, os processos políticos também apresentam-se para as chamadas “classes dominantes-dominadas”. Ainda que gozem de certa autonomia relativa, determinadas pela especificidade de cada época, as classes dominantes das economias dependentes jamais poderiam apresentar uma linha política efetivamente autônoma ao imperialismo.


Já nos países de tipo B, como não foi possível conformar uma burguesia efetivamente nacional na etapa anterior à integração monopólica, Vânia debate a expressão dessa condição em uma série de movimentos de caráter pequeno-burguês perante a penetração do capital estrangeiro, cuja linha política negava o imperialismo sem apresentar uma condição viável - aos moldes capitalistas ou efetivamente emancipadores - de desenvolvimento.


Nestas condições, os fatores que permitem a penetração do capital estrangeiro são distintas. As empresas estrangeiras lograram inserir desde o início maquinário em forma de capital estrangeiro. Soma-se a isso o processo de endividamento crescente por meio de investimentos indiretos. Ademais, constitui-se desde o início uma aliança entre os interesses vinculado aos enclaves e as oligarquias.


Com essas condições, a industrialização nos países de tipo B é estabelecida por meio de controle direto do capital estrangeiro, com alto nível tecnológico e controle monopólico dos mercados. Além disso, nos ramos produtivos nos quais os níveis de rentabilidade podem ser mais elevados, as prioridade sociais e nacionais mais básicas são ainda mais desprezadas.


Na terceira e última parte do livro são apresentadas as contradições do capitalismo dependente com base na tipologia apresentada.


Nos países de tipo A, haveria uma contradição entre a manutenção da estrutura agrária e a necessidade de mercados, já que o compromisso estabelecido entre as oligarquias latifundiárias e a burguesia nacional limitaria o desenvolvimento da indústria. A manutenção da estrutura agrária tradicional condiciona a propriedade fundiária à subutilização, implicando em salários agrícolas excessivamente baixos - tornando reduzida a capacidade de consumo de bens industriais - e em utilização intensiva de mão de obra - o que restringe a demanda de empresários agrícolas por bens de produção. Ainda que não tenha conseguido enfrentar radicalmente a estrutura agrária tradicional, a burguesia cria alternativas para a expansão das indústrias, como por exemplo, o desenvolvimento de complexos agroindustriais.


Vânia apresenta que, a depender da relação laboral estabelecida no campo, o movimento camponês terá um diferente caráter. Aqueles que possuem um vínculo servil ou se apresentam como camponeses autônomos, tendem a pautar a propriedade da terra. Já os trabalhadores agrícolas assalariados tendem a ter pautas mais próximas ao do operariado urbano. Assim, se parte do campesinato tem pautas pequeno-burguesas, unidade com operariado seria fundamental para o avanço das pautas políticas.


Outra contradição, enunciada pelo próprio curso do estabelecimento das relações de classe, é verificada entre a necessidade burguesa de um Estado protetor e a função do Estado enquanto um “amalgamado” dos diferentes interesses das frações de classe. Vânia consegue apresentar o cerne do caráter repressivo do estado latino-americano, já que, mesmo que seja possível fazer concessões populistas sob determinada correlação de forças, o Estado pode recorrer ao uso da força para impor seu projeto capitalista, como o fez no contexto da escrita da obra em diversas nações latino americanas.


Por fim, apresenta-se a contraposição entre a necessidade burguesa de uma política econômica nacionalista e a dependência estrutural. Vânia debate o subimperialismo, ou seja, potências econômicas dependentes que exerceriam certo domínio periférico expandindo-se de forma bastante limitada nas adjacências dominadas.


Já nos países de tipo B, haveria uma contradição entre a necessidade de divisas para a industrialização e o controle externo do setor exportador. A inserção do capital estrangeiro desarticula a economia tradicional dessas regiões sem apresentar efeitos dinamizadores para o crescimento da economia nacional. Assim, a classe operária nesses países encontraria-se em condições de vida ainda mais extremas.


Além disso, a estrutura agrária tradicional entraria em choque com o desenvolvimento capitalista, obstacularizando o desenvolvimento econômico pela restrição do uso do solo, limitando a acumulação de capitais no campo. Esses territórios seriam marcados por constantes revoltas camponesas com respostas duras por parte do Estado. Com todas as contradições apresentadas, podemos afirmar sem dúvida que a emancipação completa de nosso território está condicionada a uma revolução socialista.


Vânia nos deixa contribuições importantes sobre as tendências na América Latina que precisam ser submetidos ao debate sob as condições do tempo presente. Além de sua obra, Bambirra nos lega o resultado de uma vida dedicada à militância aliada a um rigor teórico admirável do qual colhemos frutos.





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