Escrito por: Amanda Alexandroni, Giulia Carneiro e Lara Furlan
No dia 28 de maio, a Escola de Formação Política da Classe Trabalhadora - Vânia Bambirra (EFOP) realizou, depois de mais de dois anos uma atividade presencial para discutir “A morte da universidade e o triunfo dos indiferentes”, minicurso ministrado por Allan Kenji Seki. A atividade contou com a participação de cerca de 35 pessoas. Grande parte das discussões realizadas fazem parte da pesquisa de doutorado do palestrante, que pode ser acessada aqui. Neste relato, buscamos trabalhar alguns dos aspectos apresentados no evento.
Temos hoje um cenário desanimador para as universidades: prédios caindo aos pedaços, falta de financiamento, uma política de permanência muito pequena, cortes de orçamento e desmobilização das categorias. O minicurso buscou avaliar esse cenário como consequência de um projeto em curso que independe de governos, apresentando a evolução do financiamento dos capitais no Ensino Superior a partir da ditadura empresarial-militar. Esse cenário se torna desanimador se não traçarmos um caminho correto de lutas, o que exige determinação e coragem para combater os projetos capitalistas.
As universidades públicas brasileiras passaram por transformações significativas a partir do período ditatorial. A reforma universitária que ocorreu em 1969 implementou diversos mecanismos visando tolher a capacidade crítica das universidades. Diversas mudanças ocorridas àquela época ainda estão presentes nas instituições e dificultam o exercício pleno da autonomia universitária.
No período da nova república, os mecanismos para a inserção dos interesses privados no sentido público da instituição foram se intensificando. Alguns marcos podem ser citados, como a Lei das Diretrizes de Base da Educação (1996), o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (1999), o Programa Universidade para Todos (2005), O Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (2012) e o Novo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (2017).
Esses mecanismos, aliados aos cortes orçamentários - como a restrição apresentada pela Emenda Constitucional 95/2016 - foram transformando radicalmente a educação no Brasil. O resultado dessa política é a oligopolização da educação superior: apenas cinco grupos educacionais concentram mais do que todas as matrículas públicas no Brasil, são eles: Kroton, Estácio de Sá, Unip, Laureate e Ser Educacional.
Os capitais privados de educação, além de gerarem defasagens estruturais nos espaços físicos das universidades, também impactam o conteúdo que é produzido nessas instituições. Se até a década de 1960 as ciências duras e humanas produziram conteúdos que poderiam transformar radicalmente a realidade brasileira, com a ofensiva capitalista mais agressiva a partir deste período, o conhecimento desenvolvido nessas instituições começa a estar cada vez mais ligado aos interesses da classe dominante, ou seja: à condição de país de capitalismo dependente.
Assim, as ciências sociais vão se afastando da crítica radical e do ímpeto de desbravar o sentido da formação social brasileira para transformá-la; ao passo que as ciências duras perdem cada vez mais a possibilidade de criação, restando o lugar de reprodução precária das tecnologias existentes nos países de capitalismo central, e a situação é falseada, já que chamada de “inovação”. Ao passo que hoje o cenário para as pesquisas do Brasil é o seguinte: das 20 maiores corporações com envolvimento na produção acadêmica brasileira entre 2011-2016, somente uma é Brasileira, a Petrobras SA (que está em processo de privatização) e 14 delas são na área farmacêutica, que consiste em exportar parte da fauna e flora brasileira para empresas estrangeiras produzirem fármacos num geral.
Muito se fala sobre Organizações Multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), entre diversas outras. Todavia, a despeito do discurso convencional preconizado pelas instituições em questão, há inúmeras políticas sugestivas no que tange à formação acadêmica, que intencionam subjugar a educação por meio de um processo de objetificação e posterior mercantilização desta.
A associação de tais instituições com governos e capitalistas locais, sobretudo em países de economia dependente, visam legitimar projetos referentes à privatização do ensino. Uma das formas encontradas pelo capital para levar a cabo tais determinações, ocorre por meio da desvinculação da produção científica dos problemas nacionais, seguindo a implementação de um modelo de ensino padronizado, retirando dos estudantes o senso crítico e a possibilidade de produzir conteúdos científicos, filosóficos e artísticos alinhados com as reais necessidades locais.
Em um documento da Confederação Nacional da Indústria, intitulado “A indústria e o Brasil - uma agenda para crescer melhor”, encontramos a seguinte passagem: “Como os recursos são limitados, uma medida eficiente e justa socialmente seria a eliminação da educação superior pública gratuita, seguida pelo repasse dos recursos poupados para a educação básica”. Depois, continua com a afirmação de que o necessário para aprender uma profissão e acompanhar o avanço da tecnologia seria adquirir “uma boa capacidade de leitura, matemática, de interpretação e de raciocínio lógico”.
Vemos, com isso, que há um esforço para suprir a demanda de parâmetros curriculares básicos que orientam as instituições de ensino superior a responderem a determinadas posições geopolíticas, que, por sua vez, são responsáveis por limitar a ciência dos países periféricos visando perpetuar sua condição de dependência dentro do sistema capitalista.
É possível observar o reflexo desses princípios nas tentativas de curricularização da extensão, na qual as deliberações propostas contribuem não somente com a intensificação do processo de fragmentação da universidade, mas também fere a autonomia da instituição. Sendo uma medida imposta obrigatoriamente pelo Ministério da Educação (MEC) e do Plano Nacional de Educação (PNE), por força de lei, as propostas não precisam apresentar justificativas consistentes para sua aplicação.
Além disso, há também o Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), projeto que realizou a expansão das vagas nos cursos de graduação sem que, para isso, houvesse o devido aumento dos investimentos destinados às instituições que acolheriam esses estudantes, o que evidentemente degradaria ainda mais algo que já está sucateado.
Foram apresentados também alguns dados que nos ajudam a pensar sobre como o financiamento público auxiliou na expansão dos grandes capitais da educação. Incluindo nisso o FIES, o PROUNI e o PROIES, que são caracterizadas na tese do Allan Kenji Seki como transferências do Fundo Público para o Fundo de Acumulação de Capital. O cenário fica mais evidente com o ocorrido em agosto de 2020, quando foi anunciado um corte no MEC para 2021 que afetaria 18,2% do orçamento das universidades federais de todo o país. Um dia depois, um pacote para ajuda do ensino privado de 16 bilhões foi aprovado pelos senadores em Brasília.
Esse processo, que podemos pensar como industrialização da educação, é demasiado prejudicial à formação dos brasileiros, posto que há uma sistematização na forma de se pensar e produzir, por meio da submissão ao sistema capitalista. A aplicação de um plano educacional que já não depende mais dos professores, torna estes completamente substituíveis como se fossem uma pequena engrenagem de um grande sistema, suprimindo suas respectivas subjetividades e destituindo a singularidade de suas capacidades. Tal processo pode ser resumido como sendo um reflexo da desumanização dos trabalhadores e da supressão dos espaços, à exemplo das universidades, que viabilizam o desenvolvimento da individualidade dos sujeitos.
A tentativa de resumir a experiência universitária apenas à formação de profissionais para o mercado de trabalho reivindica a indiferença em virtude da operacionalização do ensino. Faz-se imperioso, portanto, que a formação esteja alinhada com o esforço de suprir as necessidades humanas e com o compromisso de produzir novos conhecimentos e transformar radicalmente a sociedade em que vivemos hoje.
Por mais que o título do minicurso faça uma provocação que condiz com a situação da educação brasileira, a morte da universidade e o triunfo dos indiferentes só irá ocorrer se deixarmos de lutar por ela e de disputar um projeto nacional para as nossas instituições de ensino superior, capaz de colocar em marcha e estar aliada a revolução brasileira. Inclusive se debruçando sobre problemáticas que temos de enfrentar ao confrontar o capital.
Se deixarmos de lutar, aí é que o espaço para caminhos equivocados e o triunfo dos indiferentes está sem empecilhos. Quantos prédios terão de queimar para que tomemos a tarefa em nossas mãos?
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